O Mistério das Crianças Verdes de Woolpit: Órfãos Perdidos ou Seres de Outra Dimensão?

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A vida em Woolpit, uma pequena vila na Inglaterra do século XII, era governada pela rotina. Era um mundo de colheitas, estações do ano e os rituais previsíveis da Igreja. Nada de extraordinário jamais acontecia ali. Até o dia em que a realidade se rasgou.

Durante a colheita, perto de uma das armadilhas para lobos que davam nome à vila, os camponeses encontraram algo impossível. Duas crianças, um menino e uma menina, emergem de um fosso. Eles não choram por seus pais; choravam em uma língua que ninguém na Terra jamais ouviu. Suas roupas eram feitas de um tecido desconhecido. E sua pele, cada centímetro dela, tinha a cor inconfundível de folhas recém-brotadas. A pele deles era verde.

Isso não é o começo de um conto de fadas inventado, mas o início de uma das lendas históricas mais duradouras e inexplicáveis de todos os tempos. Prepare-se para conhecer a história das Crianças Verdes de Woolpit e as teorias que tentam explicar de onde, ou de que mundo, elas vieram.

O Achado Impossível nos Campos de Suffolk

A história das Crianças Verdes de Woolpit foi registrada por dois cronistas respeitados da época: Ralph de Coggeshall e William de Newburgh. Ambos os relatos, escritos décadas após o evento, concordam nos detalhes centrais.

O evento teria ocorrido durante o reinado do Rei Stephen, por volta de 1150. Em um dia de colheita, os camponeses de Woolpit, um vilarejo no condado de Suffolk, encontraram as duas crianças perto de uma “cova de lobo”.

As Crianças Verdes de Woolpit estavam claramente desorientadas e assustadas. A aparência deles era o que mais chocava: embora tivessem feições humanas normais, sua pele tinha uma tonalidade esverdeada. A língua que falavam era completamente ininteligível para os locais.

As crianças foram levadas à casa de um nobre local, Sir Richard de Calne. Lá, a estranheza continuou.

O dia em que a realidade se rasgou. Camponeses de Woolpit encontram as duas crianças misteriosas, um evento que seria registrado por cronistas e debatido por séculos.
O dia em que a realidade se rasgou. Camponeses de Woolpit encontram as duas crianças misteriosas, um evento que seria registrado por cronistas e debatido por séculos.

Uma Dieta de Feijões e a Luta pela Sobrevivência

Na casa de Sir Richard, as Crianças Verdes de Woolpit foram tratadas com gentileza, mas o choque cultural era imenso. Elas se recusavam a comer qualquer alimento que lhes era oferecido. As crônicas contam que elas pareciam estar morrendo de fome, mas choravam e rejeitavam pão, carne e outros alimentos comuns.

A situação mudou quando os servos trouxeram feijões-fava recém-colhidos. As crianças, ao verem os feijões, teriam aberto as vagens e comido os grãos crus com avidez. Por um bom tempo, esta foi sua única fonte de sustento.

Infelizmente, o menino das Crianças Verdes de Woolpit, que parecia ser o mais novo e estava mais fraco, não conseguiu se adaptar. Ele ficou doente e, após alguns meses, faleceu.

A menina, no entanto, sobreviveu. Gradualmente, ela começou a aceitar outros alimentos, e à medida que sua dieta se normalizava, a tonalidade verde de sua pele começou a desbotar, até que ela adquiriu uma aparência normal.

Ela foi batizada e recebeu o nome de “Agnes”. Com o tempo, ela aprendeu a falar inglês e a se integrar na nova comunidade. E foi então que, finalmente, ela pôde contar a sua história.

A História de Agnes: A Terra de São Martinho

Quando Agnes já dominava o idioma local, ela foi questionada sobre sua origem. A história que ela contou, registrada pelos cronistas, é o coração do mistério das Crianças Verdes de Woolpit.

Ela disse que ela e seu irmão vieram de um lugar chamado “Terra de São Martinho”. Era um lugar subterrâneo, onde nunca havia luz solar plena. O mundo deles vivia em um estado de crepúsculo perpétuo, uma luz tênue e esverdeada. Todos os habitantes de lá, segundo ela, tinham a pele verde como eles.

Um dia, enquanto cuidavam do rebanho de seu pai, eles ouviram um som alto e encantador, como o de sinos. Seguindo o som, eles entraram em uma caverna ou passagem. Eles caminharam na escuridão por um longo tempo, até que emergiram na luz solar ofuscante de Woolpit, onde foram encontrados pelos ceifeiros.

A história de Agnes, a sobrevivente das Crianças Verdes de Woolpit, era fantástica, a descrição de um mundo subterrâneo que parecia saído do folclore. Mas ela a contava com a convicção de uma memória real

A 'Terra de São Martinho', como descrita por Agnes. Um mundo crepuscular e subterrâneo onde todos os habitantes tinham a pele verde.
A ‘Terra de São Martinho’, como descrita por Agnes. Um mundo crepuscular e subterrâneo onde todos os habitantes tinham a pele verde.

Desvendando o Verde: As Teorias Científicas e Históricas

Para a mente moderna, a história de Agnes parece uma lenda. Mas a persistência dos registros históricos nos força a perguntar: o que poderia explicar um evento tão bizarro? As teorias se dividem em duas grandes categorias.

Teoria 1: A Explicação Médica (Hipocromia anêmica)
A explicação mais científica para a cor da pele é uma condição médica conhecida como hipocromia anêmica, ou “clorose”, apelidada na época de “A Doença Verde”. É uma forma severa de anemia causada por uma deficiência extrema de ferro na dieta. A condição causa uma palidez tão profunda que a pele pode adquirir uma tonalidade esverdeada.

Neste cenário, as Crianças Verdes de Woolpit seriam duas crianças normais que sofreram de desnutrição severa. A dieta exclusiva de feijões-fava, embora estranha, teria lentamente fornecido os nutrientes necessários para que a menina, Agnes, se recuperasse, o que explicaria por que sua pele perdeu a cor verde.

Teoria 2: A Explicação Histórica (Imigrantes Flamengos)
A teoria mais aceita pelos historiadores modernos conecta as Crianças Verdes de Woolpit a um evento histórico real: a perseguição de imigrantes flamengos na Inglaterra.

Durante o século XII, muitos imigrantes da Flandres se estabeleceram na Inglaterra. No entanto, eles foram duramente perseguidos sob o reinado do Rei Henrique II. Muitos foram mortos, e famílias inteiras fugiram e se esconderam em florestas e áreas isoladas.

Neste cenário, as Crianças Verdes de Woolpit seriam os filhos órfãos de imigrantes flamengos. Desnutridos e traumatizados, eles teriam emergido de uma floresta densa (o “mundo crepuscular”). A língua que falavam não era de outro mundo, mas o dialeto flamengo. Eles teriam se perdido em minas ou passagens subterrâneas da região, acabando por emergir em Woolpit.

A teoria mais aceita pelos historiadores: as Crianças Verdes de Woolpit não eram de outro mundo, mas órfãos flamengos, perdidos e traumatizados pela perseguição.
A teoria mais aceita pelos historiadores: as Crianças Verdes de Woolpit não eram de outro mundo, mas órfãos flamengos, perdidos e traumatizados pela perseguição.

O Destino de Agnes e o Legado da Lenda

A história das Crianças Verdes de Woolpit não termina com a explicação de Agnes. Sua vida posterior, embora menos documentada, adiciona uma camada de realismo e humanidade ao conto fantástico. Após se integrar à comunidade, Agnes teria se casado com um homem de uma vila vizinha, Lynn, e tido pelo menos um filho.

O cronista Ralph de Coggeshall afirma tê-la conhecido e ouvido a história diretamente dela, anos depois. Ela era conhecida por ser, segundo ele, “um tanto leviana e devassa em seu comportamento”, uma descrição que a humaniza e a afasta da imagem de uma criatura mística, mostrando-a como uma jovem que se adaptou a um mundo completamente novo, talvez carregando os traumas de sua infância misteriosa.

Esta integração na sociedade local é um dos argumentos mais fortes contra as teorias puramente sobrenaturais sobre as Crianças Verdes de Woolpit.. Se ela fosse uma fada ou um ser de outro mundo, teria sido capaz de viver uma vida normal, casar e ter filhos? Ou seria sua adaptação a prova final de que ela era, afinal, humana, e que sua história sobre a “Terra de São Martinho” era a memória confusa e infantil de um trauma real? A vida de Agnes adiciona mais perguntas do que respostas, solidificando o mistério.

Agnes, a sobrevivente. Ela se casou, teve filhos e viveu o resto de sua vida em nosso mundo, mas a história de sua origem nunca a abandonou.
Agnes, a sobrevivente. Ela se casou, teve filhos e viveu o resto de sua vida em nosso mundo, mas a história de sua origem nunca a abandonou.

Ecos de Outros Mundos: As Teorias Fantásticas

Claro, onde a ciência e a história oferecem explicações, a imaginação oferece possibilidades muito mais emocionantes. As teorias fantásticas sobre as Crianças Verdes de Woolpit são tão antigas quanto a própria lenda.

A mais popular é que as Crianças Verdes de Woolpit eram fadas ou seres do ‘Povo Pequeno’, que acidentalmente cruzaram a fronteira entre o mundo deles e o nosso.

Outros sugerem que eles eram alienígenas, talvez de um planeta com um sol fraco que deu à sua espécie uma pele adaptada à baixa luminosidade.

A ideia de que eles vieram de um mundo subterrâneo ecoa em mitos de “Terra Oca” e outras dimensões. A história das Crianças Verdes de Woolpit é um exemplo perfeito de como a realidade pode ser tão estranha que parece pertencer a outro lugar, um lugar como o misterioso universo de Sete Além, onde as barreiras entre os mundos são perigosamente finas.

Conclusão: Uma Lenda que se Recusa a Desbotar

Então, quem foram as Crianças Verdes de Woolpit? Eram órfãos flamengos perdidos e doentes? Ou eram visitantes de um mundo subterrâneo banhado por uma luz crepuscular?

Provavelmente nunca saberemos com certeza. A beleza da lenda reside exatamente nessa ambiguidade.

A história nos oferece um vislumbre fascinante da mentalidade medieval, um tempo em que um evento estranho não era diagnosticado, mas interpretado através do folclore e da fé.

Mas, mais do que isso, a história perdura porque ela toca em algo profundo em nós: a esperança de que nosso mundo não seja tudo o que existe. Que, às vezes, em um dia comum de colheita, o impossível pode simplesmente sair de um buraco no chão e nos encarar, com a pele verde e os olhos cheios de um mistério que nunca conseguiremos desvendar.

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